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Conexão cura trauma?

Atualizado: 28 de mai.


Quando se viveu uma experiência traumática, entender como o corpo e a mente reagem pode ser a chave para transformar a dor em um processo de cura. Um dos estudos revolucionários nesse campo é a Teoria Polivagal, desenvolvida pelo neurocientista Stephen Porges.


Essa teoria nos oferece uma visão fascinante sobre a conexão humana e como ela está diretamente ligada à cura do trauma. Porges argumenta que a nossa capacidade de nos conectar com os outros não é apenas uma escolha emocional ou psicológica, mas também uma resposta biológica profunda, ancorada no nosso sistema nervoso.


Como o Sistema Nervoso Reage ao Trauma


A Teoria Polivagal coloca o nervo vago no centro das respostas do corpo ao ambiente. Esse nervo, que conecta o cérebro ao corpo, é responsável por regular o sistema nervoso autônomo – aquele que controla funções automáticas, como o batimento cardíaco e a respiração.


Ele é dividido em duas vias principais: a via ventral, que se ativa quando estamos seguros e promove relaxamento e conexão, e a via dorsal, que entra em ação quando sentimos uma ameaça, levando o corpo a um estado de colapso ou congelamento.


Quando vivenciamos um trauma, nosso sistema nervoso pode ficar preso em um ciclo de defesa, reagindo a qualquer pequeno sinal como se fosse uma ameaça. Isso pode fazer com que se sinta constantemente em estado de alerta, ansioso, desconectado, ou até mesmo emocionalmente entorpecido. Contudo, essas respostas não são "falhas" pessoais, mas sim tentativas automáticas do corpo de se proteger.


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Conexão Social: Um Instinto de Sobrevivência


Segundo Porges, o sistema nervoso humano está biologicamente programado para procurar segurança por meio da conexão social. Isso significa que, em momentos de segurança e calma, nosso corpo naturalmente busca interações com outras pessoas como forma de manter essa sensação de proteção. É como se, ao estarmos conectados a alguém de confiança, nosso sistema nervoso recebesse o sinal de que estamos seguros e, portanto, pode relaxar.


Um exemplo comum é quando uma criança, após ter passado por uma situação de medo, corre para os braços de um adulto em quem confia. Ao sentir o abraço, o ritmo cardíaco da criança tende a desacelerar, a respiração se estabiliza, e ela se acalma. Essa é a via ventral do nervo vago em ação, ativada pela sensação de segurança e apoio social.


Agora, pense em uma mulher que viveu um trauma, como um relacionamento abusivo ou uma experiência de perda significativa. O trauma pode ter deixado seu sistema nervoso hiperativo, sempre à espreita de uma nova ameaça. Mesmo em momentos de tranquilidade, seu corpo pode estar em alerta, incapaz de relaxar e confiar nos outros. Isso acontece porque o sistema nervoso, em resposta ao trauma, fica "preso" em um estado de defesa – seja no modo de luta/fuga ou no estado de "congelamento".


Trauma e Isolamento: Um Ciclo Difícil de Quebrar


Pessoas que vivenciaram traumas muitas vezes relatam dificuldade em se conectar com os outros. Elas podem evitar relacionamentos íntimos ou sociais por medo de serem feridas novamente. Esse isolamento, porém, cria um ciclo vicioso: o sistema nervoso continua em alerta porque não há a sensação de segurança que as conexões sociais trazem. A falta de interações seguras impede que o corpo "desligue" a resposta ao trauma.


Imagine uma mulher que, após um assalto traumático, evita sair de casa e se afastou de amigos. Com o tempo, a solidão piora sua ansiedade, porque seu sistema nervoso continua a interpretar o mundo como perigoso. Ela se sente desconectada do próprio corpo e dos outros, o que agrava seus sintomas de trauma.


A Conexão Humana como Parte da Cura


Aqui entra o aspecto mais revolucionário da Teoria Polivagal: Porges afirma que a conexão social não é apenas um efeito da cura do trauma, mas uma ferramenta ativa para promovê-la. Ou seja, reconstruir a capacidade de confiar nos outros e criar vínculos pode ajudar a reorganizar o sistema nervoso, tirando-o do estado de defesa constante.


Outro exemplo prático: durante a psicoterapia, uma mulher que sofreu trauma pode aprender a identificar suas reações de luta, fuga ou congelamento. Com o apoio do terapeuta, ela começa a explorar o que a faz se sentir segura e aprende a usar essas sensações para regular seu sistema nervoso. O simples fato de compartilhar sua dor em um espaço seguro e acolhedor pode, aos poucos, ajudar seu corpo a ativar a via ventral do nervo vago, promovendo calma e sensação de pertencimento.


Além disso, a terapia em grupo é outro excelente exemplo da conexão como cura. Ao estar cercada de pessoas que viveram traumas semelhantes, a mulher pode sentir que não está sozinha em sua jornada. A troca de experiências gera uma sensação de comunidade e apoio, o que, segundo Porges, ativa os mecanismos biológicos de segurança e facilita a recuperação.


Quando estamos em um estado de segurança, somos capazes de criar laços, confiar e nos abrir para o outro. O trauma, por outro lado, nos desconecta dessas capacidades, tornando difícil criar e manter relações saudáveis. Aos poucos, o corpo reaprende a confiar, a se abrir para novas experiências e, principalmente, a se sentir seguro novamente.


Como a Psicoterapia Usa a Conexão para Curar


No ambiente terapêutico, o terapeuta se torna um ponto de segurança, uma figura com quem o paciente pode começar a reconstruir sua capacidade de confiar. Aos poucos, essa confiança estabelecida no espaço da terapia é levada para fora, para outros relacionamentos. O paciente aprende a identificar pessoas e situações seguras e, com isso, começa a reestabelecer suas conexões com o mundo.

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Uma mulher que, após anos de isolamento emocional devido ao trauma, começa a fazer terapia. No início, ela tem dificuldade em falar sobre suas experiências e se sente desconfortável com o vínculo terapêutico. Com o tempo, à medida que a relação com a terapeuta se fortalece, ela percebe que não precisa estar constantemente em alerta. Essa confiança inicial abre portas para que ela busque relações mais saudáveis fora da terapia – seja com amigos, familiares ou parceiros.


Em conclusão, o que Stephen Porges nos ensina é que a conexão social, algo tão essencial e básico para o ser humano, é um pilar fundamental na cura do trauma. Através do apoio, da confiança e da presença dos outros, nosso sistema nervoso encontra a segurança que precisa para se reorganizar e permitir que o corpo e a mente se restabeleçam.


Se você está buscando um apoio especializado para enfrentar as consequências do trauma e recuperar sua capacidade de se conectar com os outros e consigo mesma, saiba que a cura é possível e que, com a orientação certa, você pode reencontrar o equilíbrio e a paz.


Através de uma abordagem profissional, é possível reestabelecer a confiança e o bem-estar emocional, permitindo que você viva de forma plena e conectada, tanto com o mundo ao seu redor quanto com o seu eu interior.


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Clara Naschpitz é psicóloga clínica com formação especializada em Gestalt Terapia pela PUC-Rio e terapeuta em Experiência Somática pela Associação Brasileira do Trauma. Atende adultos online e presencialmente em Niterói, com foco em questões relacionadas a ansiedade, trauma e relacionamentos.


 
 
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