Relacionamentos e ansiedade: como padrões repetitivos afetam suas conexões
- Clara Naschpitz
- 3 de jun.
- 8 min de leitura

Os relacionamentos são, sem dúvida, uma das dimensões mais significativas e complexas da experiência humana. É através deles que nos definimos, crescemos, encontramos significado e, muitas vezes, também enfrentamos nossos maiores desafios.
Para muitas pessoas que atendo em meu consultório, os relacionamentos se tornaram simultaneamente fonte de profundo anseio e de intensa ansiedade, um território onde padrões repetitivos parecem se desenrolar como um filme que insiste em passar várias vezes, apesar de já conhecermos o final.
Tenho observado que esses padrões relacionais raramente surgem do acaso. Eles geralmente refletem histórias antigas, experiências formativas e estratégias de sobrevivência emocional que desenvolvemos ao longo da vida. O mais fascinante, e por vezes frustrante, é que esses padrões frequentemente operam fora de nossa consciência plena, influenciando nossas escolhas, reações e percepções sem que percebamos completamente seu impacto.
Neste artigo, quero compartilhar algumas reflexões sobre como reconhecer esses padrões repetitivos, compreender suas origens mais profundas e, principalmente, vislumbrar caminhos possíveis para transformá-los. Não se trata de oferecer soluções simplistas para questões tão complexas, mas de convidar a uma exploração mais compassiva e consciente de como a ansiedade se entrelaça com nossas formas de nos relacionarmos.
O filme que insiste em se repetir
Você já teve aquela sensação inquietante de déjà vu em seus relacionamentos? Aquele momento em que você se pega pensando: "como estou nesta situação novamente?" ou "por que sempre me envolvo com o mesmo tipo de pessoa, mesmo quando conscientemente desejo algo diferente?".
Essa sensação de repetição é um dos sinais mais reveladores de padrões relacionais em ação. Pode se manifestar de diversas formas: você percebe que atrai repetidamente parceiros com características semelhantes, mesmo quando essas características acabam gerando sofrimento, termina relacionamentos pelos mesmos motivos, revive conflitos similares com pessoas diferentes ou assume consistentemente o mesmo papel em diferentes grupos (sempre o cuidador, o pacificador, o outsider, o responsável).
Na perspectiva clínica da Gestalt Terapia, esses padrões repetitivos podem ser compreendidos como "gestalts inacabadas" – situações ou necessidades do passado que não foram completamente processadas, integradas e fechadas, e que continuam buscando resolução no presente. É como se uma parte de nós estivesse constantemente tentando recriar cenários semelhantes na esperança de, desta vez, conseguir um desfecho diferente.
Essa repetição também se manifesta em nossas reações emocionais, que frequentemente parecem desproporcionais à situação atual. A ansiedade intensa quando alguém não responde imediatamente uma mensagem, quando a raiva que explode por pequenos desapontamentos, quando há o medo avassalador de abandono mesmo em relacionamentos que objetivamente parecem estáveis ou mesmo a necessidade excessiva de controle em situações sociais. Todas essas reações são como se estivéssemos reagindo não apenas ao que está acontecendo agora, mas também a todas as vezes em que situações semelhantes nos causaram dor no passado.
Nossos comportamentos automáticos em momentos de tensão relacional também revelam muito sobre nossos padrões. Você se retrai e se isola quando há conflito? Torna-se excessivamente conciliador, mesmo à custa de suas próprias necessidades? Assume uma postura defensiva ou agressiva antes mesmo de ouvir o que o outro tem a dizer? Busca constantemente reafirmações ou, ao contrário, evita qualquer demonstração de vulnerabilidade?
Essas são estratégias que desenvolvemos inconscientemente para lidar com situações difíceis no passado. Em determinado momento de nossa história, eles foram adaptativos, nos ajudaram a sobreviver emocionalmente em contextos desafiadores. O problema é que, com o tempo, essas estratégias tendem a se tornar rígidas e automáticas, aplicadas indiscriminadamente a situações que podem não exigir mais esse tipo de resposta.
As raízes profundas da ansiedade relacional

Para compreender verdadeiramente nossos padrões relacionais, precisamos olhar para suas origens com curiosidade e compaixão, pois esses padrões geralmente se formam a partir de experiências significativas que moldaram nossa compreensão de como os relacionamentos funcionam e como nos vemos dentro deles.
Nossas primeiras relações, especialmente com cuidadores primários, formam o que os teóricos do apego chamam de "modelo operacional interno" – uma espécie de mapa mental inconsciente que guia nossas expectativas, comportamentos e interpretações em relacionamentos posteriores. Estas experiências precoces não são apenas "lembranças" abstratas: elas são codificadas no corpo e no sistema nervoso, influenciando como nos sentimos e reagimos em situações relacionais, mesmo décadas depois.
Se crescemos com cuidadores inconsistentes, por exemplo – presentes e amorosos em alguns momentos, indisponíveis ou rejeitadores em outros – podemos desenvolver uma ansiedade de abandono e estratégias de hipervigilância. Nos tornamos especialistas em detectar os menores sinais de afastamento ou desinteresse, sempre em alerta para a possibilidade de sermos deixados. Esta vigilância constante, embora tenha sido adaptativa na infância, pode se tornar exaustiva e sabotadora em relacionamentos adultos.
Se, por outro lado, aprendemos que precisávamos ser "perfeitos" para receber amor e aprovação, podemos carregar um medo constante de desapontamento e rejeição. Qualquer crítica ou feedback negativo pode ser vivenciado como uma ameaça existencial, ativando níveis intensos de ansiedade e comportamentos defensivos ou de autossabotagem.
E se nossas necessidades emocionais eram frequentemente ignoradas ou invalidadas, podemos ter desenvolvido dificuldade em reconhecê-las ou expressá-las. Muitas pessoas chegam à idade adulta sem saber identificar o que realmente sentem ou precisam em relacionamentos, o que cria terreno fértil para ansiedade, frustração e padrões de relacionamento insatisfatórios.
Além das experiências precoces de apego, eventos traumáticos e rupturas relacionais significativas também deixam marcas profundas em nossos padrões de conexão. Traições importantes podem levar a uma dificuldade crônica em confiar, perdas não processadas podem gerar medo intenso de novos vínculos, experiências de humilhação social podem criar ansiedade em situações de grupo e rejeições dolorosas, por exemplo, podem estabelecer padrões de autossabotagem para evitar a vulnerabilidade de se entregar completamente.
Ao longo da vida, também internalizamos inúmeras mensagens sobre relacionamentos, intimidade e nosso próprio valor. "Não incomode os outros com suas necessidades." "Você precisa ser perfeito para ser amado." "Pessoas sempre te abandonam eventualmente." "Mostrar vulnerabilidade é perigoso." Estas crenças, muitas vezes operando fora de nossa consciência plena, direcionam nossas escolhas e comportamentos relacionais de formas poderosas e nem sempre construtivas.
Como os padrões ansiosos se manifestam nos relacionamentos
A ansiedade relacional pode se manifestar de diversas formas, dependendo de nossas experiências específicas, temperamento e contexto atual. Alguns padrões são particularmente comuns e merecem nossa atenção.
Um padrão comum envolve formas de autossabotagem e teste de relacionamentos. Pessoas com ansiedade relacional frequentemente desenvolvem estratégias para "testar" relacionamentos ou sabotá-los antes que possam se aprofundar. Podem criar conflitos quando tudo está indo bem ou encontrar falhas no parceiro justamente quando a intimidade aumenta. Além disso, afastar-se quando o outro demonstra maior interesse ou consistentemente escolher parceiros indisponíveis ou inadequados.
Estes comportamentos geralmente são tentativas inconscientes de proteger-se da vulnerabilidade e possível rejeição, que é uma forma de assumir o controle sobre o inevitável abandono que, em algum nível, a pessoa acredita que virá. Paradoxalmente, esses comportamentos acabam criando justamente o que mais se teme: o afastamento do outro e a confirmação da crença de que relacionamentos íntimos não são seguros ou duradouros.
A dificuldade em manter fronteiras saudáveis é outro padrão comum em pessoas com ansiedade relacional. Isso pode se manifestar como dificuldade em diferenciar suas emoções das do outro ou mesmo assumir responsabilidade excessiva pelo bem-estar emocional dos outro e experimentar ansiedade intensa quando há separação, mesmo que breve.
A hipervigilância e interpretação excessiva também são manifestações comuns da ansiedade relacional. A pessoa pode se encontrar analisando excessivamente mensagens e interações, procurando constantemente sinais de rejeição ou desinteresse. Ou mesmo interpretar ambiguidades de forma consistentemente negativa.
Este estado de alerta constante, além de exaustivo, frequentemente cria os próprios problemas que teme. Quando estamos assim, tendemos a encontrar "evidências" que confirmam nossos medos, mesmo quando elas não existem objetivamente. Além disso, essa postura defensiva constante pode criar uma atmosfera de tensão que afeta a qualidade das interações, levando os outros a reagir de formas que parecem confirmar nossas piores expectativas, uma profecia autorrealizável dolorosa.
Transformando padrões relacionais ansiosos
A boa notícia é que padrões relacionais, mesmo os mais arraigados, podem ser transformados. Essa transformação envolve um processo que honra tanto os aspectos psicológicos quanto corporais de nossa experiência.
O primeiro passo fundamental é cultivar uma consciência plena e não julgadora de nossa experiência momento a momento. Quando começamos a observar nossos padrões com curiosidade em vez de autocrítica, criamos espaço para novas possibilidades emergirem.
Isto inclui identificar gatilhos específicos que ativam sua ansiedade relacional, reconhecendo as sensações corporais associadas (tensão, frio no estômago, respiração superficial) e notando os pensamentos automáticos que surgem. Junto disso, perceber os comportamentos reativos que seguem. Este mapeamento cuidadoso de seu processo interno cria um espaço entre o estímulo e sua resposta habitual, um espaço onde novas escolhas se tornam possíveis.
Com isso, práticas que ajudam a regular o sistema nervoso são fundamentais para a transformação desses padrões. Quando a ansiedade relacional surgir, práticas simples como sentir os pés no chão, notar pontos de contato com superfícies, ou respiração profunda podem ajudar a interromper o ciclo de ativação ansiosa.
Alternar conscientemente a atenção entre áreas de desconforto no corpo e áreas de relativo conforto, criando um movimento pendular, também ajuda o sistema nervoso a encontrar equilíbrio. Permitir que o corpo expresse e libere tensão através de movimento (alongamento, caminhada, dança) e engajar os sentidos de formas calmantes (toque, sons, aromas) são formas de sinalizar segurança ao sistema nervoso.
Além disso, muitos padrões relacionais são sustentados por crenças profundas sobre nós mesmos, os outros e como os relacionamentos funcionam. Explorar e atualizar essas crenças é parte importante do processo de transformação. Que conclusões você tirou de experiências passadas? "Não posso confiar", "não sou suficiente", "intimidade é perigosa". Estas crenças ainda são verdadeiras ou úteis em sua vida atual? Que outras interpretações são possíveis para suas experiências?
Não buscamos simplesmente substituir pensamentos "negativos" por "positivos", mas sim expandir nossa capacidade de perceber a realidade de forma mais completa e flexível. Isso pode incluir desenvolver narrativas alternativas que honrem tanto a dor das experiências passadas quanto a possibilidade de novas experiências no presente. Isso requer não apenas insight, mas também ação.
Nesse contexto, experimentar novos comportamentos relacionais, mesmo em pequena escala, é essencial. Isso pode incluir expressar necessidades e limites de forma clara ou experimentar "fazer o oposto" do que seu padrão habitual sugere: se seu padrão é se retrair quando ansioso, experimentar se aproximar. Se tende a perseguir, experimentar dar espaço.
Transformar padrões relacionais profundamente enraizados frequentemente se beneficia de suporte profissional. A psicoterapia oferece um espaço seguro para explorar padrões dolorosos, e a própria relação terapêutica pode se tornar um laboratório para experimentar novos modos de relacionamento. Um terapeuta pode ajudar a identificar pontos cegos e oferecer perspectivas alternativas, além de proporcionar suporte durante o desconforto inevitável que surge quando estamos mudando padrões familiares, mesmo que disfuncionais.
Cultivando relacionamentos mais autênticos e satisfatórios
À medida que você trabalha para transformar padrões ansiosos, novos horizontes relacionais se abrem. Haverá momentos de retorno a padrões antigos, especialmente em situações de estresse, mas a chave não é a perfeição e sim a capacidade crescente de reconhecê-los e fazer escolhas mais conscientes.
A ansiedade nos relacionamentos, quando abordada com consciência e compaixão, pode se tornar não apenas um desafio a ser superado, mas um portal para maior autoconhecimento e conexões mais profundas e autênticas. Nossos padrões relacionais, mesmo os mais dolorosos, contêm sabedoria e informações valiosas sobre nossas necessidades, medos e desejos mais profundos.
Ao honrar essas partes de nós mesmos, mesmo enquanto buscamos transformá-las, abrimos caminho para relacionamentos que nutrem em vez de drenar, que expandem em vez de limitar, e que refletem quem realmente somos, em toda nossa complexidade e beleza.
Quer saber mais ou marcar sua primeira sessão de psicoterapia?
Clara Naschpitz é psicóloga clínica com formação especializada em Gestalt Terapia pela PUC-Rio e terapeuta em Experiência Somática pela Associação Brasileira do Trauma. Atende adultos online e presencialmente em Niterói, com foco em questões relacionadas a ansiedade, trauma e relacionamentos.


